Resenha: As Mentiras de Locke Lamora

quinta-feira, 16 de julho de 2015
 

Por: Rodrigo Caetano

E aí, galera. Tudo bem? Pois é, parece que eu estou aqui novamente, dessa vez para fazer uma resenha. Vim falar de um livro bem diferente do que aqueles que o pessoal costuma falar por aqui. Espero que curtam!

Título Original: The Lies of Locke Lamora
Título Brasileiro: As Mentiras de Locke Lamora
Autor: Scott Lynch
Editora: Arqueiro
Tradução: Fernanda Abreu

Sinopse: O Espinho é uma figura lendária - um espadachim imbatível, um especialista em roubos vultosos, um fantasma que atravessa paredes. Metade da excêntrica cidade de Camorr acredita que ele seja um defensor dos pobres, enquanto o restante o considera apenas uma invencionice ridícula.
Franzino, azarado no amor e sem nenhuma habilidade com a espada, Locke Lamora é o homem por trás do fabuloso Espinho, cujas façanhas alcançaram uma fama indesejada. Ele de fato rouba dos ricos (de quem mais valeria a pena roubar?), mas os pobres não veem nem a cor do dinheiro conquistado com os golpes, que vai todo para os bolsos de Locke e de seus comparsas - os Nobres Vigaristas.
O único lar do astuto grupo é o submundo da antiquíssima Camorr, que começa a ser assolado por um misterioso assassino com poder de superar até mesmo o Espinho. Matando líderes de gangues, ele instaura uma guerra clandestina e ameaça mergulhar a cidade em um banho de sangue. Preso em uma armadilha sinistra, Locke e seus amigos terão sua lealdade e inteligência testadas ao máximo e precisarão lutar para sobreviver.

Resenha: “As Mentiras de Locke Lamora” é o primeiro livro de uma série intitulada Nobres Vigaristas. Brincando com o tempo, o autor vai ao passado e volta ao presente, enquanto nos conta a história de um menino pequeno e franzino, com uma habilidade mais do que natural para o roubo e a farsa. Órfão, pobre e sem ninguém para olhar por ele, Locke aprende a se cuidar ao mesmo tempo que ensina a todos à sua volta que as aparências, por menores que sejam, enganam.
No prólogo somos apresentados à cidade de Camorr, ambiente onde toda a narrativa acontece, mesmo que o livro demonstre que o mundo criado por Scott Lynch é muito mais vasto. Em uma cidade dividida entre a nobreza e as gangues de ruas, ficamos sabendo que há um acordo, chamado de Paz Secreta, entre os nobres e o líder das atividades criminosas da cidade. Essa paz consiste na garantia de proteção da nobreza contra os criminosos e, em contrapartida, na garantia de intervenção mínima necessária do Estado, em relação aos crimes contra o povo comum.
Locke, uma criança de cerca de 10 anos de idade, órfã, é apresentado para o Aliciador, um homem que comanda uma grande trupe de ladrões infantis, que são treinados por ele para roubar pelas ruas. O Aliciador é apenas um dos líderes de gangues que responde ao Capa da cidade, o líder dos líderes, que comanda a todas as gangues clandestinas simultaneamente e o responsável pela Paz Secreta.
Logo, porém, o Aliciador se prova incapaz de conter o talento natural de Locke para a grandeza. O menino não foi feito para pequenos roubos nos mercados da cidade. Ele foi feito para a farsa e para o golpe – para a trapaça. Depois de cometer três grandes erros no início de sua carreira na gangue do Aliciador – erros que incluem incendiar uma taberna e ameaçar erradicar a Paz Secreta e começar uma guerra civil, sem contar o maior deles – o menino é condenado à morta pelo líder de sua própria gangue.
Porém, em um último momento de piedade – mais de ganância, na realidade – o Aliciador decide ofertar o menino como uma espécie de escravo, por um preço barato, ao Padre Correntes. Um farsante que se faz passar de padre cego, mas é o líder de uma gangue chamada Nobres Vigaristas. Essa gangue, apesar de obedecer e respeitar a autoridade do Capa de Camorr, não nutre respeito pela Paz Secreta, e busca miná-la passo a passo, escondida até do submundo da cidade.
Parece interessante? Pois é, isso é apenas o prólogo.
Os Nobres Vigaristas foram fundados pelo Padre Correntes e, no passado, eram liderados por ele, que ensinou e treinou não apenas Locke, mas também os gêmeos Calo e Galdo, Jean Tannen, um menino gordo, recrutado por sua habilidade com os números e sua capacidade de força bruta, além de Sabeta, uma menina que roubou o coração de nosso protagonista, mas que permanece um mistério durante toda a narrativa.
Já no presente, após a morte de Correntes e ainda sem notícias de Sabeta, vemos uma gangue liderada por Locke Lamora e formada por seus antigos amigos, com a jovem adição do menino Pulga, aprendiz e pupilo de Locke, além de mascote do grupo.
O primeiro capítulo abre com a preparação de um golpe contra uma das famílias nobres de Camorr, os Salvara, e o autor nos leva passo a passo, indo e voltando no tempo, para a execução da primeira fase, onde Locke é apresentado como um comerciante estrangeiro precisando de investimentos, enquanto vemos como todo o encontro foi preparado e estudado pela gangue nos mínimos detalhes.
Indiscutivelmente, a abertura desse livro é bem mais animada do que a da maioria dos livros por aí.
Logo, porém, descobrimos que a autoridade do Capa Raza está sendo posta em cheque por uma figura misteriosa, quase mágica, que se autointitula Rei Cinza, e pretende derrubar o poderoso chefe das atividades clandestinas da cidade.
O Rei Cinza começa a atacar, um a um, os líderes das gangues da Cidade e, em pouco tempo, Locke se vê preso entre a farsa que mantém vivo o seu golpe contra os nobres Salvara, ao mesmo tempo em que lida com as ameaças e os planos do Rei Cinza e tenta manter em segredo as violações à Paz Secreta que vem cometendo desde que começou a roubar da nobreza.
É então que os Nobres Vigaristas se veem presos a uma guerra da qual não desejam fazer parte, e em que não podem tomar nenhum dos lados. Sem ter para onde correr, cabe ao homem por trás do fantasioso Espinho de Camorr encontrar uma solução para o problema, mesmo que lhe prejudique o bolso ou a reputação. Em pouco tempo, a única coisa que passa a importar é enfrentar a tempestade e sair com vida.
O romance em si é subdividido 4 vezes, cada uma das secções chamadas de “Livros”. Cada um desses livros é subdividido em capítulos, que, por sua vez, são subdivididos em cenas numeradas e interlúdios. E é interessante observar como o narrador se aproveita dessa subdivisão para mudar o foco da leitura, mudar o personagem foco e apresentar outras maneiras de ver as coisas, além de, nos interlúdios - últimas cenas de cada capítulo - voltar no tempo para o treinamento oferecido à trupe dos Nobres Vigaristas pelo fascinante padre farsante.
Com o jogo de idas e voltas no tempo, o autor também consegue uma tarefa difícil, mas essencial para a devida compreensão do conteúdo que o livro se propõe a trazer para o leitor. É apenas com esse jogo de ritmos e de contraposições entre o passado infantil de Locke, o passado recente das atividades dos Nobres Vigaristas e o presente atribulado, que podemos compreender a profundidade que as farsas armadas têm, e como a mentira está entranhada em cada página desse romance.
É interessante também observar as armadilhas escancaradas que o autor monta, afinal, sabemos desde o título que os personagens desse romance são mentirosos. Mais do que isso, vivem e amam a mentira. Desse modo, somos ensinados, pouco a pouco, a não acreditar em todas as palavras ditas e/ou escritas no livro.
A linguagem é muito bem trabalhada, e alguns diriam que um pouco realista demais. Eu discordo desses poucos. Pela primeira vez vejo um livro em que os personagens, amigos de infância, íntimos, falam todos os palavrões a que tem direito, pregam peças que muitos diriam desrespeitosas e, ainda assim, amam-se e são mais sinceros do que qualquer outro personagem educado e seguidor da moral e dos bons costumes.
Além disso, o mundo criado por Scott Lynch é um lugar onde as diferenças ainda são igualadas a base do punho fechado, da lâmina de uma espada ou da flecha de uma balestra. Não há escassez de sangue, assassinatos, hematomas, sem contar urina, fezes e bile. E, apesar de não ser comparado a George Martin, Scotty Lynch não tem medo de matar alguns personagens legais.
Fica então aqui o aviso: se qualquer dessas coisas lhe incomoda, esse não é um livro para você. Que pena. Você não sabe o que está perdendo.
Por fim, como nada é perfeito e como eu falo muito, apesar de não ter falado tudo que devia, é importante fazer algumas críticas e observações finais.
Em alguns pontos, senti algumas incongruências, ou, no mínimo, uma falta de informação (que pode ser aceitável, considerando que ainda faltam seis livros para o final da série). Ainda assim, alguns pontos-chave ficaram sem explicação, e isso me incomodou um pouco.
Além disso, para um livro que se baseia na farsa e na mentira, em alguns momentos importantes o autor se esquece das lições ensinadas. A falta de cuidado de alguns personagens (experientes e que se mostraram cautelosos anteriormente) teria colocado todo o enredo por água abaixo, caso as informações que serviam de base para suas decisões fossem falsas ou imprecisas.
A impressão que tive, no final, é que esse era um livro teste. Ele funciona bem como o primeiro livro de uma série de sete, mas resolve muito da sua trama principal em si mesmo, deixando-se levar no fim para encontrar o final que precisa.
Além disso, ele deixa muita coisa do mundo criado em aberto, de modo que fica difícil julgar por ele a habilidade de criação de mundo do autor. Parece-me que ele focou mais no enredo do livro em si do que em explorar o seu mundo. Isso não é algo ruim, mas me passou uma certa insegurança – compreensível, ao se considerar que ele era um escritor iniciante em 2005, quando o livro foi publicado pela primeira vez em Londres.
Fica então registrada a minha esperança de que, nos próximos livros, já como um autor bem estabelecido, Scott consiga dar cabo de uma série que não é nada menos do que promissora, e que merece todos os elogios que recebe. Alguns leitores o comparam ao primo medieval de “Onze homens e um segredo” e do “Poderoso Chefão”. Já os autores fantásticos renomados como George R. R. Martin (“Uma história original, vigorosa e arrebatadora”) e Patrick Rothfuss (“Provavelmente é um dos cinco melhores livros que eu já li na vida”) não poupam elogios.
Para finalizar, ninguém melhor que o próprio Padre Correntes para lhes dar uma ideia do nosso incrivelmente carismático:
“Algum dia, Locke Lamora, algum dia você vai fazer uma cagada tão gigantesca, tão ambiciosa, tão avassaladora, que o céu vai se acender, as luas vão girar e os próprios deuses vão fazer chover cometas de tanta alegria. Só espero ainda estar por perto para assistir”.
Eu vou estar. Aconselho que estejam também...
Até a próxima, galera!

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