Clube de leitura: 9ª rodada



"Muitos dizem que eu sou um grande idiota. Eu tenho muitos amigos até, tiro boas notas na escola, mas ser idiota não quer dizer ser burro. E, bem, acho que as pessoas me acham idiota porque eu viajo demais. Não no sentido de ir para os lugares mais diversos do mundo, mas sim no sentido de, sem mais nem menos, começar a pensar em tudo, olhando para o vazio até que alguém me acorde do meu sonho insone."

Leituras
Elyon Somiare

O narrador, autodiegético, começa por alertar o leitor que não acredita ter o “dom” para contar histórias, informando-o que se procura descrições detalhadas e palavreado erudito, não encontrará um e outro nesta história: esta história é apenas contada por o narrador ter considerado que merecia ser contada. E, de facto, merece. Talvez não com descrições minuciosas, nem palavreado erudito, mas sem dúvida com descrições subtis e presentes o suficiente para que o leitor consiga localizar o tempo e o espaço em que decorre a acção, e com um manejo do vocabulário certo para o momento certo. Por vezes, inclusive, brincando eficazmente com a Língua.

Não são muitas as informações fornecidas sobre as personagens. A maioria delas são personagens planas, limitando-se a cumprir o seu papel na história sem serem aprofundadas: inclusive o narrador e protagonista. Sabemos apenas que é um rapaz, adolescente, com amigos e notas decentes. Resumindo: uma pessoa comum, uma possibilidade de “ser qualquer um”, que o aproxima do leitor. Ao mesmo tempo, esta falta de foco nas personagens permite que a atenção seja desviada para o plano psicológico com mais facilidade, algo que se inicia com o anúncio da morte do tio do narrador, Ulisses. Ao contrário do que se esperaria num conto envolvendo um funeral, a notícia não causa qualquer desvio da normalidade, visto que Ulisses nunca fora uma pessoa muito social, e o narrador nem sequer se lembrava da sua existência. Quanto muito, conseguimos discernir enfado durante o funeral – no entanto, é durante este que, numa troca de palavras com o pai, o narrador se apercebe de que o tio, apesar de ter alcançado o que a sociedade considera o topo – uma carreira na área de ciências que aparentemente o enriquecera –, tinha morrido sem alcançar o objectivo da vida dele. Tal lança o narrador e protagonista num questionamento sobre objectivos, felicidade e morte, apresentados não de uma forma arrogante e falsamente profunda, mas com a simplicidade natural de um jovem normal. 

“The Big Idiot” é um conto desenvolvido de forma simples e eficaz sobre temas que em alguma vez na vida – ou várias vezes ao longo da vida – já perturbaram o leitor. No final da sua leitura, é inevitável que esses assuntos não voltem a ser ponderados, pois, afinal, somos todos uns grandes idiotas.


Hairo-Rodrigo - Rodrigo Caetano

Talvez a minha maior e única crítica seja ao título do conto. Principalmente combinado à frase que o fecha. Os dois parecem diminuir a importância da mensagem que o conto procura passar, e se o leitor acreditar nisso, desacredita do resto do texto inteiro. Aprendi na minha vida que sempre que se aponta um problema, deve-se tentar dar-lhe uma solução, mas confesso que não consegui pensar em um substituto, o que me leva a crer que talvez o título em si tenha perdão. A última frase, porém, se não puder ser substituída, pode ser removida sem grandes prejuízos, ao meu ver.

E tendo dito isso, espero ter ajudado a elucidar o único ponto criticável que achei no texto. Qualquer eventual erro de português é de uma importância pequena e/ou nenhuma. Qualquer repetição exagerada mais acrescenta no contexto do conto do que prejudica a leitura e o uso da primeira pessoa, às vezes muito criticado e subutilizado, foi bem feito.

E isso é um dos melhores elogios que posso oferecer a esse trabalho. Não é difícil achar escritores que burlam as regras da escrita, seja gramatical ou estruturalmente, mas o que não se vê o tempo todo é alguém que consiga usar dessas “pequenas transgressões” à seu favor, e que consigam, com elas, fazer um texto melhor.

A proximidade que o autor conseguiu trazer ao leitor foi surpreendente, considerando um texto tão curto, simples e direto. É uma simplicidade que eu não tenho vergonha nenhuma em admitir que gostaria de saber usar, e que me resigno em dizer que invejo.

A mensagem, no fim, tão simples como sua narrativa, é também tão poderosa quanto ela. E o texto a transmite de maneira tão fácil e acessível que faz dela maior do que realmente o é.

Só me resta congratular o autor, e lhe dizer que se discorda da única crítica que lhe fiz, por favor, que siga o seu instinto. Eles parecem ser melhores do que os meus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O blog da Liga é um espaço para ajudar os escritores iniciantes a colocarem suas ideias no papel da melhor maneira possível.



As imagens que servem de ilustração para o posts do blog foram encontradas mediante pesquisa no google.com e não visamos nenhum fim comercial com suas respectivas veiculações. Ainda assim, se estamos usando indevidamente uma imagem sua, envie-nos um e-mail que a retiraremos no mesmo instante. Feito com ♥ Lariz Santana