Alicerces de Enredo: As Estruturas Mais Comummente Usadas [2/3]

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Por: Elyon Somniare

Ohayo!
Na primeira parte desta sequência de artigos não passamos da introdução, mas julgo não estar errada em dizer que valeu a pena, que muito houve naquela introdução que se aproveitasse (razão pela qual sugiro que, se ainda não a leram, o façam antes de começar este). Mas desta vez estou particularmente empenhada em começar com as estruturas em si, e vou lançar o wild guess que vocês também têm algum interesse nisso, então, adiante, e para a frente com as estruturas mais comuns a determinados tipos de enredo!

1) Demanda.
Este tipo de enredo caracteriza-se por colocar o protagonista em busca de algo, físico ou não, que é tudo para ele. Ao contrário do que acontece nos filmes do Indiana Jones, por exemplo, este objecto de busca é, em si próprio, a razão do enredo, ao invés de ser uma desculpa para a acção. Ademais, tem ainda um grande papel sobre a personagem, influenciando-a e mudando-a, usualmente em consequência do conhecimento ganho. O comum neste tipo de enredo é a personagem começar e acabar em casa, enquanto pelo meio está sempre em movimento.
Como se pode estruturar este enredo em três actos?
Acto 1: Estabelece a personagem no seu ponto de partida, bem como a “casa”, mas também qual o motivo da demanda do protagonista, demonstrando a força que o leva a mover-se, seja por necessidade, seja por desejo. Coloca a pergunta que será respondida no acto 3.
Acto 2: É a viagem, onde os obstáculos e peripécias se encontram, e o que torna a história interessante.
Acto 3: É onde se encontra a resposta da pergunta colocada no acto 1. É aqui que se dá a revelação, quando a personagem obtém - ou vê recusado - aquilo que deseja.
Quais as dicas a ter em conta neste tipo de enredo?
⚈ Não esquecer que, desde o seu início até ao fim, a demanda implica uma mudança na personagem. Por essa mesma razão, o foco encontra-se no conhecimento;
⚈ Deverá haver um incidente inicial, e não começar a demanda só “porque lhe apeteceu”. Enquanto leitora posso afirmar: é de revirar os olhos quando o autor faz isso;
⚈ Um companheiro de viagem evita que a dita se torne demasiado interior;
⚈ O que a personagem encontra é muitas vezes diferente daquilo que originariamente procurava.

2) Aventura
Assemelha-se em muito à Demanda, estando a diferença no facto de o foco ser mais na acção que na personagem (mente vs corpo). Os eventos tornam-se importantes pela causa-consequência e um bom exemplo deste tipo de enredo são os contos-de-fadas tradicionais.
Ao contrário da Demanda, a personagem não muda necessariamente, e o que usualmente procura é a fortuna que raramente encontra em casa. Mas também esta partida pelo mundo é incentivada por algo ou por alguém.

3) Perseguição
Podemos dizer que é a versão literária do jogo das escondidas. A sua estrutura básica é bem simples, podendo ser resumida em: estabelecer o herói e o vilão, bem como o porquê de um estar atrás do outro. Um bom exemplo deste tipo de enredo são as personagens Coiote e Bipbip dos Looney Toons.

4) Resgate
A denominação já é um pouco auto-explicativa, e o que logo se salienta é a trindade de personagens Vilão - Herói - Vítima.
Como se pode estruturar este enredo em três actos?
Acto 1: A separação (entre o herói e a vítima) apresenta-se como incidente de motivação, ou seja, o que vai levar o herói a querer resgatar a vítima. Consequentemente, estabelece as identidades do herói e da vítima, bem como a sua relação.
Acto 2: O resgate em si: os obstáculos e o ultrapassar dos ditos. É um acto definido primariamente pelas acções do antagonista.
Acto 3: O confronto entre o antagonista e o protagonista, ou seja, no caso, o vilão e o herói. E, espera-se, a libertação da vítima.

5) Fuga
Refere-se a uma fuga física e não mental. Em que difere do Resgate? Um único e fulcral detalhe: a vítima liberta-se a ela mesma.
Como se pode estruturar este enredo em três actos?
Acto 1: O protagonista é preso, seja por um crime real ou imaginário (por ex.: alguém armou para o protagonista).
Acto 2: Foca na prisão e nos planos de fuga. Naturalmente, as falhas nos planos de fuga são aqui exploradas, dando-se os plot twists que conferem interesse à história.
Acto 3: Dá-se a fuga em si. Podem surgir complicações, mas é neste momento que o protagonista finalmente tem vantagem sobre o antagonista, seja a instituição que o prende, seja quem tramou para o prender (caso seja essa a situação).

6) Vingança
Em enredos de Vingança o foco encontra-se na retaliação do protagonista ao antagonista por uma ofensa real ou imaginária. Um bom exemplo deste tipo de enredo é a peça Hamlet, de Shakespeare.
Como se pode estruturar este enredo em três actos?
Acto 1: É quando se dá o crime, sendo que o herói nada pôde fazer. Algumas histórias começam já depois do crime, no entanto, optar por descrevê-lo é um modo de criar empatia entre leitor e protagonista.
Acto 2: A vingança (mwahahaha). O herói faz os seus planos de vingança/acção. Usualmente há uma terceira parte que tenta impedir estes planos, podendo ou não acabar por ajudar o herói.
Acto 3: O confronto. Se a vingança for referente a uma só pessoa, é neste momento que ela se desenrola. Se a vingança for dirigida a um grupo de indivíduos, então tem-se vindo a desenrolar desde o acto 2, sendo que aqui encontra o “big boss”. Atenção que o facto de ser uma vingança não implica que seja violenta.
Quais as dicas a ter em conta neste tipo de enredo?
⚈ Estabelecer primeiro a vida normal do protagonista, aquela que ele levava antes de se dar a ofensa que desencadeia os acontecimentos do enredo;
⚈ É aconselhável que o protagonista tente primeiro resolver a ofensa com os meios tradicionais (ex: indo à Polícia). Naturalmente, na generalidade dos casos isso falha;
⚈ Deverá haver um equilíbrio entre a ofensa e a vingança. De outro modo, o protagonista corre o risco de “perder a razão” aos olhos do leitor e, por consequência, a empatia, podendo vir a ser encarado como o vilão e não como herói;
⚈ A vingança tem um forte poder emocional, podendo ser encarada como o grande preço a pagar (visão geralmente encontrada nas peças gregas) ou como trazendo alívio e justiça às personagens.

7) Mistério
É o tipo de enredo que usualmente se encontra nos livros policiais e, tcharãn, de mistério. (Alguém falou em Agatha Christie?). Usualmente vai dando pistas ao leitor sobre o que ele precisa de saber, mas não serão óbvias.
Como se pode estruturar este enredo em três actos?
Acto 1: O crime, a vítima e quem vai resolver o crime são apresentados. O panorama geral também é estabelecido e as questões são colocadas. (“Sempre eu, caramba, por que não o Carlos da Contabilidade?” como questão a ser colocada pela vítima seria hilariante, mas como usualmente ela já está morta, não aconselho.)
Acto 2: O leitor acompanha a resolução do mistério. É o momento ideal para dar pistas, mas disfarçando-as na narração e no ambiente. O equilíbrio ideal é entre algo que o leitor se lembre depois, mas que no momento em que a leia não pense “Ahá! Uma pista!”, ou seja: a aplicação prática do conceito de foreshadowing. Agatha Christie, uma das mestras deste género de enredo, também costuma colocar personagens com segredos secundários, nem sempre relacionados com o crime, de forma a despistar.
Acto 3: O mistério é resolvido. As razões do antagonista são explicas, e o leitor é colocado a par da verdadeira sequência de eventos.
Pode, no entanto, não haver uma resposta clara ao mistério: tudo depende do tipo de audiência que se visa, e do que se pretende transmitir. Kafka, por exemplo, termina muitas das suas obras sem clareza, visto que pretende transmitir a ideia de que a vida não tem respostas certas e óbvias. (Pessoalmente, considero estes finais muito frustrantes, ahah.)

8) Rivalidade
Rival não é necessariamente alguém que deseja mal ao outro, mas sim alguém que compete pelo mesmo objecto ou objectivo que o outro. Cada um tem a sua motivação e tipos diferentes de falhas. A força, no entanto, será similar, ainda que não igual: o ponto essencial é que as respectivas forças os colocam com as mesmas possibilidades. Um exemplo muito explorado disto é o afamado triângulo amoroso.
Como se pode estruturar este enredo em três actos?
Acto 1: O “terreno comum” é estabelecido e dá-se início ao conflito. Um ganha terreno sobre o outro e a competição começa. Usualmente, o protagonista sofre um acto do antagonista e começa em desvantagem.
Acto 2: É o momento de pôr a funcionar os eventos que invertem a má sorte/posição do protagonista, colocando-o novamente ao nível do antagonista. É lançado um desafio ao antagonista, invertendo-se a situação do Acto 1. Frequentemente o antagonista está consciente disto, o que aumenta a tensão.
Acto 3: Que outra coisa se não o confronto? O resultado (quem vence) depende da escolha do autor, no entanto, como bem sabemos, a preferência costuma ir para o protagonista.

9) Underdog/Oprimido
De certa forma pode ser considerado como um ramo da Rivalidade. A diferença é que o protagonista tem capacidades, ou encontra-se numa situação, abaixo do antagonista. Deste modo, existe uma maior identificação com o leitor, pois ele é “um de nós”: todos sentimos opressão em relação a algo que achamos que não conseguimos vencer. O underdog partilha isso connosco, com a diferença de que consegue vencer (ora a ver se isso não dá ao leitor um boost de esperança e optimismo! Por isso toda a gente gosta de underdogs). A estrutura é similar à da Rivalidade, mas a ênfase encontra-se no desejo realmente forte do underdog em ter sucesso: como consequência, é aconselhável que o autor desenvolva bem os seus motivos.
No entanto, é preciso ressalvar que não convém colocar obstáculos totalmente irrealistas. O sucesso tem de ser algo que já era possível, ainda que minimamente. A palavra-chave será verosimilhança. 

10) Tentação.
Saquem das vossas maçãs, serpentes, chegou o enredo que foca na fragilidade na natureza humana! Como tal, centra-se mais na personagem que na acção, analisando motivos, necessidades e impulsos. O conflito dá-se no interior da personagem, sendo que se reflecte no exterior. Dica: não esquecer que cada tentação tem um preço.
Como se pode estruturar este enredo em três actos?
Acto 1: É estabelecida a natureza do protagonista e, se houver, a do antagonista. É também determinada a natureza da tentação, o seu efeito sobre o protagonista, e como ele lhe reage. O protagonista pode lutar contra a tentação, mas eventualmente acaba por lhe ceder. Segue-se frequentemente um período de negação, em que o protagonista tenta racionalizar uma desculpa ou justificação.
Acto 2: Reflecte os efeitos de ceder à tentação. O protagonista pode ter tido benefícios a curto prazo, mas o preço começa a surgir, e o lado negativo emerge. Este é o momento em que os efeitos negativos dominam e se intensificam.
Acto 3: Depois da tempestade… Vem a bonança! O conflito interior do protagonista resolve-se, e temos a expiação, a reconciliação e o perdão. 

E aqui, juventude, fazemos uma pausa, porque este artigo já vai longo, vocês já devem estar a rilhar os dentes, e já chegamos a metade das estruturas que serão abordadas. E toda a gente sabe que se é para dividir alguma coisa, que seja pela metade (vide, Rei Salomão).
Vejo-vos na terceira (e última parte)!



REFERÊNCIAS:
TOBIAS, Ronald B. - “Twenty Master Plots and How to Build Them”, [s.l.], Piatkus Books, 1999

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