Por: Thammi Lima (Beta reader da Liga dos Betas)
Antes de entrar no mundo das
temidas e intrigantes cenas de ação, vamos saber, inicialmente, o que vem a ser
uma cena.
CENA
As cenas, de acordo com
pesquisas, na parte que nos interessa, são cada uma das situações ou momentos
da evolução de um enredo. Ou seja, é aquele destaque no texto que empurra a
história para frente, movimentando personagens em seus meios, num determinado instante.
Pode-se dizer ainda que é o lugar onde se passa uma ação, um cenário, uma
descrição sobre um local, uma figura presente no texto, a apresentação dos
anseios dos personagens, a abertura, desenvolvimento e/ou fechamento de
conflitos.
Segue um exemplo de cena:
“Elena desceu as escadas, ainda que seu corpo lutasse contra a força
que a movia para além da escuridão. O novo cômodo, inexplorado, cheirando a
mofo, remeteu-lhe à década passada, quando a velha mansão acordava ao nascer do
sol, sob o cacarejar das galinhas de tia Léa e o aroma gostoso de café
recém-passado. Agora, tateando as paredes em meio ao breu, Elena sentia com
tristeza os sinais do tempo nas paredes descamadas, no soalho apodrecido,
rangendo sob seus pés cuidadosos. Seu coração apertou dentro do peito e ela
mordeu o lábio para segurar a onda de remorso que subia-lhe pela garganta em
forma de choro.”
Assim como num texto ou redação, uma cena também deve ter começo, meio e fim.
Dessa forma, seu pensamento estará mais organizado e você conseguirá revelar ao
leitor o contexto do que está expressando com mais clareza e, consequentemente,
com riqueza de detalhes.
Lembre-se: quanto mais detalhes, mais bem descrita estará sua cena e
será mais fácil para o leitor imaginar o que você está propondo para ele.
Então, concluindo, vemos que as
cenas são integrantes fundamentais no contexto da história. Elas fazem parte do
desenvolvimento do texto, dando sequência aos acontecimentos, trançando os
diversos conflitos descritivamente, e realizando uma ponte entre os
personagens, os leitores e o próprio autor. É através das cenas que os leitores
irão se identificar (ou não) com o que é proposto na história e se aprofundar
nas variadas situações pelas quais passam os mocinhos, vilões, animais de
estimação e demais figuras presentes no texto.
Bem, entendido rapidamente o que vem a ser uma cena, vamos seguir para
o que interessa. As cenas de ação.
Muitos escritores têm o
privilégio de terem um pote cheio de imaginação dentro da cabeça, o que os
auxilia e muito na hora de compor o enredo para uma história. Porém, logo
percebem que nem tudo são flores, e lá, no meio do texto, eis que ele surge: o
bloqueio das cenas de ação. Sim, pois é.
A dificuldade não está na
montagem da cena de ação, mas sim na maneira como ela deve ser escrita e transmitida ao público, de
modo que as pessoas consigam se transportar para dentro do texto e sentir como
se um personagem fosse. Então, para amenizar os medos e tentar facilitar a
construção desse tipo de cena em especial, vamos aos passos a seguir.
Elaboração da cena (Visual)
Monte a cena de ação na sua
cabeça. Imagine o que vai acontecer, cada movimento, cada detalhe, cada fala.
Se necessário, use um bloco de notas e anote tudo de importante, todos os
elementos fundamentais para o desenvolvimento daquela cena. Vamos exemplificar,
porque tudo com exemplo é mais assimilável, né? Vamos usar aquele texto
inicial.
Texto original:
“Elena desceu as escadas, ainda que seu corpo lutasse contra a força
que a movia para além da escuridão. O novo cômodo, inexplorado, cheirando a
mofo, remeteu-lhe à década passada, quando a velha mansão acordava ao nascer do
sol, sob o cacarejar das galinhas de tia Léa e o aroma gostoso de café
recém-passado. Agora, tateando as paredes em meio ao breu, Elena sentia com
tristeza os sinais do tempo nas paredes descamadas, no soalho apodrecido,
rangendo sob seus pés cuidadosos. Seu coração apertou dentro do peito e ela
mordeu o lábio para segurar a onda de remorso que subia-lhe pela garganta em
forma de choro.”
Montando a cena:
- Personagem da cena: vou usar a personagem Elena e
apenas ela nessa cena.
- O que ela vai fazer: Ela está na velha mansão e
precisa ir para outro cômodo, onde a cena vai, de fato, se desenvolver.
Então, aqui, eu preciso criar conectores que vão migrar minha personagem
do local onde ela está originalmente para o outro, onde a ação começa.
Como farei isso? Bem, a resposta é simplicidade! Sim, isso mesmo! Podemos
escrever coisas ótimas de maneira bem simples. Veja:
“Elena desceu as escadas, ainda que seu
corpo lutasse contra a força que a movia para além da escuridão.”
Nesse momento,
seja você o personagem. Se transporte para a cena e se imagine naquele lugar,
naquele instante. Como você contaria ao seu amigo aquele pedaço da história?
Como você estava se sentindo? Com medo? Ansioso? Feliz? Triste? Respondendo
essas perguntas, transcreva tudo para sua cena e veja como ficou. Se ainda
assim o texto não está como você gostaria, busque referências nos dicionários,
mude uma frase ou palavra, tente encaixar aquilo que melhor vai descrever o que
você quer transmitir.
- O que ela está fazendo ou o que fará: Aqui você
deve informar a parte descritiva da sua cena. Conte sobre onde está seu
personagem, se faz sol, se chove, se é uma floresta, uma casa, se ele está
sozinho ou acompanhado, se está em conflito com alguém ou apenas
observando, pensando... Você pode, inclusive, expressar mais sobre isso
através de falas. Exemplo:
— Eu gosto daqui. É uma boa casa, e o vento
que vem da floresta refresca o ambiente durante a noite — comentou Jade,
espiando a vista pela varanda do quarto.
Ou ainda:
— Admito, você sabe o que faz com uma espada,
Sir Lancelot — Sir Henrick recuou poucos passos, o suor descendo-lhe pelas
têmporas, a espada empunhada numa das mãos tremia levemente diante de seu
visível cansaço físico. Ele arfava e cambaleava, entontecido pelo calor da
batalha, mas, ainda assim, sorria, presunçosamente.
Então, fica a
dica:
Escolha expressões sintéticas. Na maioria
das vezes, uma palavra diz o mesmo que duas ou três juntas. Sempre que você
estiver diante desse “dilema”, opte por menos palavras. Esse enxugamento não
significa sacrificar a qualidade do texto. Ao contrário, reduzindo o número de
palavras, você não apenas privilegiará a informação, como também poupará ao
leitor tempo, produto cada vez mais escasso hoje em dia. Opte pela concisão.
Evite/ não use
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Prefira
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Teresa foi ligar para João...
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Teresa ligou para João...
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Ela estava querendo a atenção dele...
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Ela queria a atenção dele...
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Lúcia ia lá para a loja...
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Lúcia ia para a loja...
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—
Vamos ir para a praia?
|
—
Vamos para a praia?
|
Tudo corria bem, onde não tinha mais conflito...
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Tudo corria bem, de maneira que não tinha mais
conflito...
|
E o psicológico dos meus personagens, como
fica?
Não podemos
esquecer de construir, juntamente com a cena, o perfil psicológico das figuras
que estarão em ação no contexto. Lembre-se que você deve levar em conta o
perfil inicial do personagem. Se ele é bom, mau, inteligente, sarcástico,
mal-humorado, preguiçoso... Não é apropriado mudar o foco psicológico de sua
criação no meio do texto. O interessante é mesclar sentimentos, de modo que a
figura da história possa passar por várias fases sentimentais, sem perder sua
verdadeira identidade. Esse é um dos segredinhos das cenas de ação — Saber o que se passa
internamente com as figuras do texto é instigante para qualquer leitor. Então,
capriche!
Ex.: Kate
sempre fora medrosa e muito fraca. Ficava doente com constância quando pequena
e pelo que me lembro, não tinha amigo algum. (Traço principal de seu perfil
psicológico)
No texto: Kate
era valente. Enfrentava os amigos da escola e mais de uma vez foi parar na
detenção. (Mudança de personalidade)
Pergunte-se:
§
Essa descrição combina com o perfil psicológico
do meu personagem?
§
Por que vou escrever que meu personagem está
desse jeito nesse momento?
§
A descrição psicológica dele nesse contexto tem
a ver com a minha cena?
§
As palavras que escolhi são boas para expressar
esse sentimento?
Enfim, que palavras vou usar na descrição
da cena que imaginei?
Encontrar a palavra exata para o que você
quer dizer exige riqueza de vocabulário e sensibilidade. Mas há alguns
princípios a serem observados:
1°) O contexto pode determinar a escolha da
melhor palavra.
Ex.: “Furioso, o pai arrastou o filho pelo braço”. Quem está furioso não leva nem
conduz; quem está furioso arrasta.
Ex. 2: “Sir
Lancelot, movendo-se à barlavento, jogou
o corpo contra Sir Henrick, na tentativa de derrubá-lo no chão”. Se a intenção
do personagem é empurrar o outro para o chão, o que ele pode fazer é se jogar
de encontro ao inimigo e ver se seu golpe surtirá o efeito desejado.
2°) Certas palavras, retiradas do contexto
habitual, acabam por despertar o riso no leitor.
Ex.: A
cozinheira botou os ovos na
geladeira”. A cozinheira não botou,
ela guardou os ovos na geladeira.
Ex. 2: “A cadela da Vivi era linda e muito
sapeca”. Frase ambígua, afinal, o narrador fala sobre a cadela que Vivi tem.
3°) Há palavras presas a um contexto, positivo
ou negativo. Deslocá-las desse contexto habitual gera problemas.
Ex.: “O
bombeiro cometeu um ato de bravura”.
Pessoas cometem erros, crimes e praticam boas ações, atos de bravura.
4°) Toda
palavra possui um significado. Se você gosta de uma palavra e quer usá-la,
busque o significado antes de jogá-la no texto. Verifique se a palavra se
encaixa no contexto da história.
5°) Se estiver
em dúvida sobre sua cena, busque opiniões, se possível. Discutir sobre o texto
pode ajudar a melhorá-lo!
Então,
resumindo:
Podemos
perceber que ter uma cena, com início, meio e fim, entrelaçando os fatos e
descrevendo os conflitos é essencial para que se contextualize uma ação. Para
isso, é preciso saber o que se quer transmitir ao leitor, que personagens usar
na criação da cena, ter em mente o que ele vai fazer, com quem estará, se vai
dialogar, e se for, se esse diálogo é coerente com aquela cena em específico,
transmitir os pensamentos e os sentimentos imediatos dos personagens e, enfim,
passar tudo para o papel, escolhendo com calma as palavras que serão usadas.
As cenas de
ação não são monstros e não devemos levantar barreiras para a criação delas.
Leve-as como uma cena comum e escolha verbos de movimento que possam expressar
bem aquilo que você quer passar, levando em conta as frases que você usará. E
divirta-se, claro, porque escrever é, antes de tudo, divertimento!
Bibliografia
Como escrever
melhor, série Sucesso Profissional
José Paulo
Moreira de Oliveira e Carlos Alberto Paula Motta